segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Anaconda cobra qualidade na produção nacional de trigo

Trigo nacional de qualidade sempre encontrará comprador no mercado interno, diz o presidente do Grupo Anaconda e conselheiro da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Luiz Martins. Em entrevista, ele critica o fato de o Rio Grande do Sul produzir um grande volume de trigo do tipo brando, que tem demanda restrita no País, em vez do tipo panificador, mais procurado e o que responde por quase 100% das importações.
Martins também questiona a política do governo para o setor trigo, em especial a decisão de reajustar o preço mínimo do grão para um valor que "não é o de mercado". Devido a isso, nesta safra a negociação direta com os moinhos não aconteceu, restando a produtores e cooperativas concentrar a comercialização nos leilões de Prêmio de Escoamento de Produto (PEP), promovidos pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e que asseguram o preço mínimo. Para atrair o comprador, o governo concede uma subvenção que reduz as despesas com frete. Prêmios que variam de R$ 94 a R$ 215 a tonelada já levaram "muitos moinhos a comprar trigo nos leilões", admite Martins.
No entanto, problemas de qualidade provocados pelo excesso de chuvas durante o desenvolvimento e a colheita do trigo em 2009 limitarão a demanda pelo produto nacional neste ano e a importação continuará sendo necessária, diz o executivo do Anaconda, que tem moinho em São Paulo e em Curitiba, com capacidade de moagem de 2.500 toneladas/dia. Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
P - O governo tem incentivado a produção nacional de trigo como forma de reduzir a dependência da importação. No último ano, reajustou o preço mínimo, valor que serve de referência para os programas governamentais, o que levou a um aumento significativo da área plantada. No entanto, o clima foi ruim para o trigo em 2009 e o governo está se vendo obrigado a garantir preço ao produtor mesmo nos casos de trigo cuja qualidade não atende à indústria. O que está errado nesta política?
Luiz Martins - O grande erro foi o governo ter estabelecido um preço que não é o de mercado. Efetivamente estimulou a produção; todo mundo plantou. Não fosse o problema climático, talvez a estratégia estivesse certa, mas é preciso considerar o preço do trigo lá fora. Não tem sentido pagar R$ 500 a tonelada se eu posso comprar por R$ 350/400 a t. Não consigo fazer isso só porque o preço mínimo é de R$ 500. Por outro lado, o governo tem estabelecido mecanismos que pagam essa diferença, como o PEP. Muitos moinhos têm comprado trigo nos leilões de PEP.
P - O PEP reduz os gastos dos moinhos com o frete e está favorecendo também a exportação do trigo. O governo diz que a ideia é retirar do mercado interno o trigo prejudicado pela chuva e que só pode ser aproveitado como ração. Está acontecendo isso mesmo? Trigo de boa qualidade tende a ficar no mercado interno e o prejudicado pela chuva será exportado?
Martins - Nossa avaliação é de que praticamente todo o trigo de pior qualidade, ou 1/3 da produção, já foi para o mercado externo. Agora, infelizmente, se perdeu muito trigo. Outro 1/3 precisará ser misturado com trigo de melhor qualidade, que teremos de importar, e apenas 1/3 é próprio para moagem.
P - Quem serão os fornecedores de trigo pra o Brasil neste ano-safra? O Mercosul conseguirá atender a demanda ou será necessário buscar trigo no Hemisfério Norte?
Martins - Notamos algo interessante no Mercosul. A Argentina, ao adotar a cobrança de um imposto de exportação muito alto ao agricultor, provocou a exportação dos agricultores argentinos. Eles foram para o Paraguai, para o Uruguai e já estão indo para Mato Grosso do Sul. Por conta disso, a produção do bloco tem agora uma nova característica, com argentinos arrendando terras e produzindo nos países vizinhos. O Uruguai triplicou sua produção de trigo e o Paraguai, duplicou. Com certeza, esses dois países vão ajudar o Brasil com produto - o cereal do Uruguai é de muito boa qualidade, embora eles também tenham tido alguns problemas climáticos. Mas precisaremos de mais trigo e os fornecedores naturais são Estados Unidos e Canadá.
P - Nos últimos anos o Brasil tem importado volumes ao redor de 5 milhões de toneladas/ano, o equivalente a 50% das necessidades internas de trigo. Essa tendência continua em 2010 ou os problemas registrados levarão a um incremento na importação?
Martins - A tendência é de que se mantenha. A gente espera que o agricultor não se desestimule a plantar. Nós também estamos numa encruzilhada; gostaríamos de ser autossuficientes em trigo, mas, por enquanto, a importação é necessária.
P - E o mercado de farinha de trigo? Havia uma reclamação da indústria nacional em relação à entrada de farinha argentina no Brasil. A adoção de licenças não automáticas de importação trouxe resultados?
Martins - As licenças não automáticas reduzem, mas não acabam com a exportação de farinha de trigo subsidiada para o Brasil. O que ajudou bastante foi a ação da Polícia Federal em Foz do Iguaçu (PR) no combate ao contrabando de farinha. A situação é mais difícil no oeste do Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul porque entra muita farinha contrabandeada, o que é desestimulante, até mais do que a entrada da farinha subsidiada pelo Brasil.
P - O subsídio ao qual o senhor se refere é a taxação diferenciada na Argentina para a exportação do trigo em grão, de 20%, e da farinha, de 10%?
Martins - Não só isso. A outra parte do subsídio é aquela que prejudica o produtor argentino, ou seja, se o trigo tem 30% de imposto (na exportação) o moinho argentino sabe que o agricultor não conseguirá vender (no mercado interno) pelo mesmo valor da exportação. O moinho argentino compra trigo 30% mais barato. Compram mais barato do que nós. Isso é um subsídio.
Martins - Nós estamos tentando iniciar um programa com a Secretaria da Agricultura do Paraná idêntico ao que já temos com a Secretaria de Agricultura de São Paulo (produção de variedades especiais), sendo que no Paraná mais específico para o trigo orgânico. É um mercado no qual a gente já começa a acreditar. É lógico que vai demorar um pouquinho, mas já estamos procurando esta linha. Cada vez mais temos a necessidade de ter trigos especiais que permitam fazer exatamente a farinha que o cliente demanda. Ele quer uma farinha que, quando fizer a massa e colocar na máquina para fazer pizza, por exemplo, ela não saia com diâmetro maior ou menor, mas naquele exato tamanho. Se não for atendido, o cliente perde dinheiro. Cada vez mais essas necessidades terão de ser atendidas.
P - E é possível atender a esses clientes com trigo produzido no Brasil?
Martins - O Rio Grande do Sul tem capacidade de fornecer 2 milhões de toneladas por safra mas, infelizmente, continua produzindo uma variedade de trigo que não tem demanda. O Estado produz como se ainda estivesse vendendo a trigo ao governo (até o início da década de 90 a Companhia Nacional de Abastecimento comprava praticamente toda a produção nacional de trigo e a revendia às indústrias). Naquela época, o governo vendia para os moinhos, que não tinham outro trigo para moer e o cliente não tinha outra farinha para comprar. Hoje não. O cliente demanda determinada farinha e eu tenho de procurar o trigo para fazer a farinha que ele quer. Se o Rio Grande do Sul mudar a maneira de plantar, plantando variedades que interessem ao mercado consumidor, a situação muda de figura. O Paraná já faz isso com muita propriedade e capacidade. Neste ano a produção foi prejudicada, mas ainda assim pelo menos 1/3 da produção será aproveitada. (Jane Miklasevicius - AE).
Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul

Nenhum comentário: